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Não Arrastes o Meu Caixão...

Necrópole de S. Gens, Celourico da Beira. 2010

...porque não vais conseguir!
Desde sempre me fascinou a  dedicação e o empenho que se investe na morte de alguém. Desde que me lembro de mim que me intriga o tempo e o dinheiro despendidos no funeral de um ente-querido. São toneladas de pedras mármores, dispostas num arranjo de gosto sempre suspeito, com o único propósito de segurar uma fotografia tipo pass e uma jarra de flores que se serve, regra geral, três vezes por ano: quando se celebra a data em que o ente-querido bateu as botas, no dia dos finados e reserva-se uma visita para celebrar a quarta-feira de cinzas, ou o natal, o carnaval!.. E ficam assim enterrados uns milhares de euros, que tanta falta fazem aos vivos.
Tenho consciência que eu é que sou diferente. É que já há milhares de anos que se investia o tão precioso tempo (que seria necessário para caçar, recolher raízes ou bater no filho o quando o tigre-dentes-de-sabre lhe comeu os trabalhos de casa), a esculpir estes buraquinhos tão bonitos, em granito maciço, para enfiar lá os defuntos... Ainda assim, quer-me parecer que aquilo deviam ser uma espécie de floreiras, ou tanques para lavar a roupa, ou ainda, quem sabe, bidés! É que se eu vivesse numa tenda gostava de vir da caçada ao final do dia e lavar os pézinhos de Neandertal, evitando assim a acumulação de incómodas areias no saco de cama de pele de búfalo.
Para mim a morte é tão natural como a sede. É indissociável da vida, e mesmo complementar... Não há nada tão certo como a morte, e tudo o que tem um principio há-de ter um fim! Para muitos a morte é o fim, para mim é o principio de um novo ciclo. Há sempre um começo quando algo acaba... Não fosse a morte e o mundo já teria acabado, desprovido de recursos, de alimento para toda a vida que se tinha acumulado sobre o planeta azul! Não esqueçamos que o que comemos, ainda que uma verde alface ou um vermelha maçã já foi em tempos o cocó de alguma coisa em purulenta putrefacção... Por isso não faço lutos, não vou a funerais e gosto de recordar todos aqueles que já não estão presentes como eram em vida e não como um pálido bife dentro de um caixote.
Fique escrito nesta pedra que quando morrer não quero caixão, não quero campa, não quero funeral e não quero choros nem gritos. Embrulhem-me num lençol de linho, atirem-me para um buraco e transplantem uma oliveira sobre a minha cova. As oliveiras são árvores com uma grande longevidade, mas isto não seria nada extraordinário não fosse o facto de não ser a árvore original que resiste ao passar dos tempos mas sim os muitos rebentos que nascem à sua volta e se unem em torno da mãe perpetuando a sua existência.

Faz hoje (ou amanhã ou depois, nem sei bem) um ano que uma parte da minha vida morreu. Celebro hoje o inicio de um novo ciclo e o nascimento de algo que espero ser bom...