Copenhaga, Dinamarca. 2006
O João encontrou a cama inquieta, não conseguia fechar os olhos e por mais que corresse as persianas para baixo mais estas se enrolavam e escondiam de baixo das sobrancelhas. O sono, que costuma ser tão pontual quanto o coelho branco, estava atrasado. Os sonhos atormentavam as desorganizadas memórias do exausto dia. Como saltimbancos devassavam aldeias de pensamentos, violando as ideias que, atarantadas, corriam como baratas embriagadas. Estes sonhos eram bem diferentes dos que João estava acostumado, vinham mascarados de volúptia e desejo , como se a filha de Eros os sussurrasse baixinho dentro do ouvido. Trajavam finas sedas laranjas e rosas, carregavam um perfume irresistível e transformavam-se em sereias com asas de borboleta. Estivera um dia quente de Verão mas lá fora chove. Uma chuva quente que não chega ao chão, um pingo aqui... outro ali...como se uns e outros abandonassem a frente de batalha, se arrependessem de cumprir o destino e cantar o fado no zinco do telhado!
A tentação, como a chuva que lava o meu jardim, são sonhos... incompletos... Carecem de vontade para cumprir o destino, um livro sem prefácio nem final, um rádio sem botão de Play, um banco sem pernas, uma TV sem antena, uma escova sem pêlo, uma folha sem letras, um par de óculos sem lentes, um lápis sem bico e uma página em branco...